Ad hominem circunstancial: “você não faz o que defende!”
Imagine que um ativista ambiental está promovendo o uso de bicicletas como uma maneira eficaz de reduzir a poluição e contribuir para um ambiente mais saudável. Diante disso, um crítico responde:
“Por que eu deveria considerar válido o que afirma se você usa carro todos os dias?”
O que dizer do argumento do crítico, é uma falácia ou não?
Esse tipo de argumento é chamado de ad hominem, porque ao invés de discutir o impacto positivo do uso de bicicletas para reduzir a poluição, a resposta desvia o foco para uma suposta incoerência entre o comportamento pessoal do ativista e sua defesa do uso de bicicletas. Ou seja, o crítico faz referência à pessoa e não ao argumento. Além disso, ele é um ad hominem circunstancial, porque afirma haver uma contradição entre a fala e as ações do ativista, ou, em outras palavras, porque alega que ele não faz o que defende.
Quando o ad hominem circunstancial é uma falácia?
Situação 1: desviar atenção do tópico relevante
Para avaliar esse tipo de argumento e dizer se é uma falácia ou não, o contexto do debate é fundamental. Um ad hominem circunstancial pode ser uma estratégia para distrair as pessoas da questão que realmente importa ou não então uma forma razoável de criticar uma afirmação.
Considerando o exemplo acima, podemos imaginar dois cenários. Primeiro, uma discussão acadêmica, impessoal, sobre os benefícios de diferentes meios de transporte. Nela, os interlocutores estão discutindo qual é a alternativa que menos gera poluição na cidade e promove um ambiente saudável.
Nesse cenário, a resposta do crítico é falaciosa porque a crítica não aborda diretamente o argumento principal: o impacto positivo do uso de bicicletas para reduzir a poluição. Ao invés de discutir os dados ou as razões apresentadas para o uso da bicicleta, o crítico tenta desviar a atenção para a vida pessoal do ativista, o que não altera a validade da proposta. A incoerência entre o comportamento pessoal do ativista e sua recomendação pode ser interessante, mas ela é irrelevante para a questão principal – se o uso de bicicletas ajuda ou não a reduzir a poluição. Nesse contexto, o ad hominem circunstancial funciona como uma distração e, portanto, é uma falácia.
Agora, imagine um segundo cenário: em uma reunião de ativistas ambientais, o mesmo ativista insiste na importância de usar bicicletas, mas ele próprio não adota essa prática. Aqui, os outros ativistas poderiam razoavelmente questionar se ele está sendo coerente com seus valores e se sua falta de comprometimento não enfraquece sua autoridade moral para defender a causa. Nesse caso, o questionamento sobre o comportamento pessoal do ativista pode ser relevante, já que o grupo valoriza o exemplo prático como parte de suas ações. Embora o argumento ainda envolva uma crítica pessoal, ele não seria necessariamente falacioso, pois, nesse contexto, há uma expectativa de consistência entre o discurso e a prática.
Situação 2: alegar incoerência circunstancial quando não há
Uma segunda situação em que o ad hominem circunstancial é uma falácia ocorre quando há uma alegação de incoerência circunstancial que não se sustenta.
Considere o exemplo abaixo:
Um caçador é acusado de crueldade por sacrificar animais inocentes por esporte em suas caçadas. Ele replica dizendo: “Por que vocês se alimentam da carne do gado inofensivo?”1
Para avaliar essa situação, precisamos entender que há dois contextos distintos sendo comparados. No exemplo do caçador, ele alega que, ao criticar a caça esportiva, o crítico estaria sendo incoerente por também consumir carne. No entanto, essa acusação não resiste a uma análise mais detalhada. A crítica à caça se baseia na prática de matar animais inocentes por diversão, enquanto comer carne envolve a criação e abate de animais para alimentação, uma necessidade básica para muitas pessoas. Esses dois atos são moralmente e logicamente distintos.
Não há incoerência entre criticar a caça e comer carne, já que as duas práticas envolvem circunstâncias e justificativas diferentes. O crítico seria incoerente se obtivesse prazer em matar animais e, ao mesmo tempo, condenasse a caça esportiva por seu caráter recreativo.
Referência
WALTON, D. Lógica Informal: manual de argumentação crítica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.